INTRODUÇÃO À POÉTICA DE ISABEL SOVERAL
Quem escutar profundamente as Variações Goldberg de Bach, encontrará um universo poético e metodológico que parece bastar-se a si próprio, podendo o ouvinte viajar de um extremo ao outro de um território sonoro que parece ter ali o seu começo e o seu fim. No entanto, a obra ramifica-se. Ela abre-se ao futuro, apontando caminhos mais fáceis de encontrar para quem gosta de contemplar o firmamento do que para quem tropeça nos detalhes da historiografia das formas e das linguagens. Uma escuta igualmente profunda e apaixonada da obra completa poético-musical de Isabel Soveral conduz também a esse tipo de perceção territorial. Uma vasta fatia do mundo, unificada e diversa tal como as Variações Goldberg, onde na paisagem despontam todos os sinais e conformidades que definem o compositor: as suas árvores, os seus totens, os deuses do seu altar doméstico, uma fauna composta por animais ferozes e animais mansos, as incidências de luz sobre a orografia, as cores que não se definem…
Desde muito cedo que Isabel Soveral concebeu a composição como um processo intemporal onde a transformação – a metamorfose, as suas morfoses – melhor explica a essência do assunto. É a metodologia ancestral de quem contava as histórias de Alexandre nos teatros de rua ao longo das estradas da Pérsia: o tema (ou mito) revela novas matizes ao longo do caminho, procurando o poeta-músico constantemente novas estratégias de persuasão. No motor transformativo de cada mito, ou base motívica de cada um dos ciclos maiores de Isabel Soveral, reside um secreto fascínio pelo poder de comunicação e pela possibilidade de influenciar. [...]
Se a música é som, comecemos por aí. Isabel Soveral não aborda a escrita instrumental a partir do conforto de quem retoma o trabalho da véspera. Na sua capacidade de instrumentação reside uma inquietude que se torna cada vez mais eloquente à medida em que passamos de uma obra para outra. [...]
Nas obras de Isabel Soveral, o centro tem que ser pesquisado pois ele é móvel e pode reaparecer em diversos momentos, “anamorfoseado”. No entanto, ele desempenha a função de “nó poético” do poema – uma noção muito cara a Walter Benjamin, quando este analisa diferentes versões dos poemas de Hölderlin (ensaio de 1914-1915, publicado postumamente in Gesammelte Schriften II, Suhrkamp 1972). Trata-se do ponto que justifica o poema e não apenas do entendimento deste ponto como uma mera fábrica de variações: é o poema em si, compactado num breve e eloquente enunciado, o qual contém todo o património imagético e emocional que deu razão à obra. Por breves que sejam algumas das obras de Soveral, uma mundividência apaixonada e compassiva está sempre presente como nó poético. [...]
António Chagas Rosa
Uma breve nota sobre a Suite Pentolítica…
O título consiste num neologismo que aos meus ouvidos tem algum humor. Este título faz referência a um conjunto de cinco (penta) monólitos (do grego: pedras únicas), pois a peça tem cinco andamentos. Embora não se trate de música intencionalmente descritiva, estes cinco breves andamentos surgiram na minha imaginação como uma memória dos muitos conjuntos de monólitos que encontramos no Alentejo em abundância, e que desde miúdo muito me impressionaram ao percorrer o Alentejo. Mais do que as pedras em si, o que me intriga são os rituais que as puseram lá e aos quais nós nunca assistimos. Por isso eu decidi criar um ritual sonoro diferente para cada monólito, totalmente inventado e abstrato em si mesmo, regido apenas pelas leis musicais do contraste, da variação e do intercâmbio tímbrico, tento tido a intenção de criar uma dinâmica concertante coerente e expressiva das qualidades do Sond’Ar-te Electric Ensemble.
Isabel Soveral (Porto, 1961)
Isabel Soveral estudou no Conservatório Nacional, como bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian, com os compositores Jorge Peixinho e Joly Braga Santos. Em 1988 ingressou na Universidade Estadual de Nova Iorque em Stony Brook, onde estudou sob a orientação dos compositores Daria Semegen e Bülent Arel. Foi bolseira das Fundações Calouste Gulbenkian, Luso Americana e Fulbright para os programas de Mestrado e Doutoramento em Composição nessa universidade.
Isabel Soveral é professora associada c/agregação na Universidade de Aveiro e integra o INET-MD (Instituto de Etnomusicologia – Centro de Estudos em Música e Dança). Em 2014 criou a Plataforma EAW (Electroacoustic Winds), no âmbito da qual foram organizados dois Congressos Internacionais em 2015 e 2017. Desde 2008 que Isabel Soveral integra o Conselho Científico do Centro de Investigação e Informação da Música Portuguesa – MIC.PT (CIIMP).
As partituras da compositora têm sido publicadas pelas editoras Cecilia Honegger, Edições IPCB, Edições MPMP, Fermata, Musicoteca e MIC.PT. Tem várias obras publicadas em CD pelas editoras: Capella, Deux-Elles, EMI Classics, Miso Records, Musicamera Produções, Nova Música, Numérica, Plancton Music, Portugaler, Portugalsom e Strauss.
As suas obras tem sido apresentadas em Portugal, Espanha, França, Itália, Alemanha, Hungria, Áustria, Suíça, Suécia, Bulgária, Polónia, Hong Kong, Macau, Argentina, Brasil, México, Colômbia, Cuba e Estados Unidos.
O factor que distingue o universo de composição de Isabel Soveral, tanto ao nível macro como micro, é a morfose, transformação constante de peça em peça, sendo que a compositora tem inclinação particular para unir as suas obras em ciclos.
Na sua música, com uma forte influência do modernismo, destaca-se também uma componente «visual», que se reflecte na sua maneira de trabalhar os «tecidos sonoros» – como Isabel Soveral costuma dizer.
António Chagas Rosa, nota biográfica
Nasceu em Lisboa em 1960, onde realizou estudos de História e Piano. Concluiu duas pós-graduações na Holanda (Composição e Música de Câmara), onde residiu 12 anos. Durante a sua permanência na Holanda, António Chagas Rosa foi também maestro repetidor no Muziektheater de Amesterdão e professor na classe de ópera no Conservatório Sweelinck. A sua produção de compositor inclui música de câmara, sinfónica, duas óperas e numerosos ciclos de canções. Recebeu encomendas do Festival Internacional de Música de Macau, da Fundação Calouste Gulbenkian, da Casa da Música Porto, da Radiodifusão Portuguesa, do Teatro Nacional de São Carlos, da Fundação Casa de Mateus, do Nederlands Kamerkoor (Amesterdão), do Klangforum e Festival Jeunesse (Viena), do Grupo Drumming de Percussão, do coro de câmara Les Éléments de Toulouse, etc. As suas obras têm sido tocadas em festivais de música contemporânea em Portugal, Espanha, França, Holanda, Alemanha, Suíça, Áustria, Suécia, Ucrânia, E.U.A, Venezuela, Hong-Kong e Japão. A sua segunda ópera, Melodias Estranhas, com libreto de Gerrit Komrij, foi-lhe encomendada pelas cidades do Porto e Roterdão, Capitais Europeias da Cultura em 2001, tendo sido estreada no Schouwburg de Roterdão em Dezembro de 2001. O seu primeiro cd monográfico inclui As Feiticeiras (Actes-Sud, 2006), um conto musical com poema de Maria Teresa Horta; foi uma encomenda do Ensemble Musicatreize de Marselha e valeu ao ensemble uma “Victoire de la Musique/2007” (Radio France). Editou em 2010 um segundo cd monográfico com uma seleção de obras escritas entre 1998 e 2008 (Pas-de-Deux, Portugaler). Em 2014, uma nova encomenda do Ensemble Musicatreize resultou na missa profana A Wilde Mass, para 12 vozes solistas e órgão, obra que foi apresentada em França (Festival de Avignon 2014), em Riga e em Nova Iorque. O terceiro cd monográfico com obras para percussão (“Mares”, com o Drumming GP, MPMP) foi editado em 2016 e, nesse ano, foi escolhido pelo jornal “Público” como a melhor edição discográfica portuguesa na categoria de música erudita. Produção recente inclui obras para instrumentos a solo, música de câmara e a partitura de Circumnavigare, para a Orquestra Metropolitana de Lisboa e violoncelo solo (gravação disponível em CD, Metropolitana -Imprensa Nacional). A obra Lumine clarescet, para 18 vozes solistas, encomenda do coro de câmara francês Les Éléments de Toulouse, acaba de surgir no CD Iberia (Mirare, França), o qual foi selecionado para os 10 melhores discos de música clássica da Apple Classical Albums.
António Chagas Rosa é professor auxiliar na Universidade de Aveiro (Departamento de Comunicação e Arte) onde, desde 1996, ensina Música de Câmara. Aí se doutorou em 2006 com uma tese sobre as relações entre ritmo e semântica em Os Jardins Suspensos op. 15, de Schoenberg
Sond’Ar-te Electric Ensemble
Fundado em Julho de 2007, o Sond’Ar-te Electric Ensemble defende uma estratégia artística, que dá à música um lugar nopresente, voltada para o futuro, comprometida com uma comunidade de criadores envolvidos no desenvolvimento de novas linguagens e estéticas musicais que clamam em ser ouvidas.
Conjuga de forma estruturante os instrumentos acústicos com os meios electroacústicos e a informática musical. É constituído por uma geração de instrumentistas portugueses de excelência, aos quais vem associar-se a tecnologia musical de ponta que tem sido desenvolvida pelo Miso Studio da Miso Music Portugal.
Paralelamente à criação de um novo repertório, o Sond’Ar-te Electric Ensemble assenta também a sua prática no importante repertório existente para a sua formação, interpretando algumas obras emblemáticas dos séculos XX e XXI.
Refira-se ainda o programa de encomendas de novas obras (49 até esta data), o concurso internacional de composição, o fórum para jovens compositores, o desenvolvimento de projectos de teatro musical e ainda projectos pedagógicos e de sensibilização de novos públicos; bem como a ACADEMIA SOND’AR-TE “SONDAR, DECIFRAR & INTERPRETAR A MÚSICA DE HOJE”